Ad Astra – Rumo às Estrelas

No futuro próximo, Roy McBride (Brad Pitt) é enviado à Marte pelo Comando Espacial estado-unidense com a missão de contatar uma expedição na órbita de Netuno cuja fonte de energia à base de antimatéria está liberando raios nocivos à civilização humana. Tal expedição, liderada pelo respeitado astronauta e pai de Roy, Clifford (quem ele quis orgulhar ao seguir a mesma carreira), saíra em busca de vida extraterrestre trinta anos antes, mas estava considerada perdida/morta há dezesseis. Porém, depois de completar a missão em Marte, o estoico protagonista descobre que o plano de seus superiores é destruir a nave de seu pai com uma bomba atômica. Ele consegue infiltrar-se no foguete encarregado da tarefa e, sozinho, já que a tripulação do foguete morrera acidentalmente tentando impedi-lo, viaja para Netuno. O homem que ele encontra lá estava vivendo uma meia-vida, obcecado pela busca por alienígenas e cercado pelos corpos de seus colegas assassinados que, ao perceberem a futilidade da missão depois de anos sem nenhum sinal extraterrestre, amotinaram-se contra Clifford. O inconformado líder logo admite que nunca realmente se importou com o filho e joga-se na escuridão infinita quando Roy tenta levá-lo de volta para a Terra. No final, esse Ulisses moderno declara sua nova visão de que nós, e não a imagem irrevogavelmente imaginada/idealizada dos outros, somos tudo o que precisamos nessa vida.

Ad Astra (Gray, 2019) é um drama sobre as consequências de relações familiares mal resolvidas, um meditativo estudo de personagem e um paraíso da psicologia social freudiana. Destaco o processo que Freud chamou de identificação: “Um menino pequeno irá exibir um interesse especial no seu pai; ele gostaria de crescer como ele e ser como ele, e tomar seu lugar em toda parte. Nós podemos dizer simplesmente que ele toma seu pai como seu ideal” (1960, p. 46). A representação da dinâmica entre Roy e Clifford perfeitamente ilustra esse conceito psicanalítico e traz vários insights terapêuticos justamente por desenrolar-se sob o ponto de vista do filho.

Afinal, o movimento do protagonista através do espaço sideral em direção ao seu pai é justaposto com seu movimento introspectivo em direção às coisas do inconsciente que, como produtos do processo de identificação com os outros, formaram seu ego, seu Eu. “Estou sendo puxado”, ele narra ao deixar Marte, “cada vez mais longe do sol, para você. […] Devo aceitar o fato de nunca te conhecer realmente. Ou sou você, sendo puxado pelo mesmo buraco escuro?” Aqui o espectador testemunha o flerte de Roy com o abismo da melancolia.

Nesse sentido, a atuação brilhante de Brad Pitt retrata um adulto que, abandonado pelo seu pai na adolescência, e sem pessoas com quem se sente à vontade para conversar, dialoga apenas internamente com os diversos sentimentos de raiva, admiração e curiosidade que sente em relação àquele homem. Tentar gerenciar tudo isso é confuso: “Não sei se eu espero encontrá-lo ou finalmente ficar livre dele”, o protagonista confessa num determinado momento da narração. A identificação, Freud nos lembra, “é ambivalente desde o começo; ela pode se tornar numa expressão de afeto tão facilmente quanto num desejo pela remoção de alguém (1960, p. 47).” Uma ambivalência dessas gera tanto angústia quanto energia mental que, quando adequadamente canalizada, ajuda-nos a resolver questões profundas.

No caso do filme isso ocorre ao chegarmos a Netuno, um planeta azul como os mares terrestres governados pelo deus romano de mesmo nome. Na sua órbita, carrega um pequeno anel e uma estação tornada cemitério. O personagem de Tommy Lee Jones, Deus para os astronautas de Ad Astra, ironicamente provou ser alguém como Netuno – “perigoso e instável”, ele preferia a companhia de golfinhos a de seus entes queridos (Ramos, 2019). Roy tinha medo de se tornar a pior versão de seu pai assim como muitos de nós, mas, ao encontrar aquela sombra do homem que todos idolatravam, invocou a presença de espírito que precisava. A dolorosa rejeição de Clifford (“Eu nunca me importei com você, ou sua mãe, ou suas pequenas ideias”) serviu como evidência final para Roy, não só como filho, mas como ser humano, compreender a futilidade que é procurar no Outro pontos finais sobre o Eu.

Como um crítico apontou, esta verdadeira odisseia moderna “conta a história da busca do homem por Aquele que o criou e [para entender] por que Ele nos deixou para trás” (Tallerico, 2019). Acrescento com este texto que Ad Astra responde à tal questão com otimismo pois, de forma terapeuticamente pragmática, no fim é como Roy interpreta o resultado da expedição de Clifford: “Pai, você não falhou. Agora nós sabemos que somos tudo que nós temos.”


Referências Freud, S. (1960). Identification. In J. Strachey (Trans.), Group psychology and the analysis of the ego (pp. 46–53). Bantam Books. Gray, J. (2019). Ad Astra: Rumo às Estrelas. Walt Disney Studios Motion Pictures. Ramos, J. E. M. (2019, October 3). Netuno. SuaPesquisa.Com. https://www.suapesquisa.com/pesquisa/deus_netuno.htm Tallerico, B. (2019, September 20). Reviews—Ad Astra. RogerEbert.Com. https://www.rogerebert.com/reviews/ad-astra-movie-review-2019

– João Pedro M. Pinheiro, BA em Psicologia e Sociologia pela Drew University.