Escritores da Liberdade

Este filme, baseado em uma história real, retrata os caminhos percorridos por uma educadora para conseguir cumprir de forma intensa e verdadeira sua tarefa em meio a enormes desafios institucionais, pessoais e socioculturais de seus alunos. As incertezas e inseguranças de Erin, jovem professora recém contratada da escola, são enfrentadas à medida que ela aprende a lidar com uma turma do ‘Programa de Integração’ racial em meio às brigas das gangues rivais.
De imediato, ela se depara com a realidade de trabalhar em condições precárias com alunos estigmatizados como “os sem-futuro” pelos demais professores e instituição, o que ocasiona a não investida nesses jovens e até ao boicote ao trabalho de Erin. Na aula – representando não somente a escola, mas a sociedade – adolescentes criados no meio de tiroteios, agressividade e segregação racial aprendem aos poucos o valor do respeito, do aprendizado e o poder da tolerância[1].

Mostrando-lhes novas percepções de vida através da leitura e escrita a educadora ensina a seus alunos muito mais do que consta em qualquer currículo escolar. Fomentando a percepção crítica, proporcionando exemplos verdadeiros de vida e abrindo ‘portas e janelas’ para novas escolhas. Assim, transforma-os em escritores de suas próprias vidas.

Como pano de fundo desta linda história está a vida pessoal de Erin. Seu pai, por quem possui grande respeito e admiração, mostrou-se contrário tanto a sua escolha profissional como conjugal. Desde seu ponto de vista, ela não deveria ter aberto mão da carreira de advogada para ser professora, percepção que se transforma no decorrer do filme. E, em relação ao marido, critica o pouco investimento e empenho profissional deste. Durante o filme, há alguns diálogos do casal mostrando-o confuso e um tanto perdido sobre sua carreira.

À medida que Erin envolvia-se com seus alunos e suas histórias, ela não media esforços para proporcionar-lhes verdadeiros aprendizados. Chegou a ter três empregos para custear os livros e as viagens não autorizadas pela escola. Assim, cada vez mais se afastou de seu marido, que gradativamente mostrava seu desgosto. As demonstrações de indignação e ciúme foram crescendo até ele não tolerar ser deixado em segundo plano e pedir o divórcio. As conquistas e bem feitos profissionais de Erin se vêem em choque com o declínio do casamento.

Neste filme, vários ângulos de uma história são apresentados, permitindo ao espectador se conectar um pouco com cada personagem. Em meio aos inúmeros fatos relevantes mostrados, detenho-me a comentar alguns aspectos da vida de Erin. O desenlace de seu casamento, posto a prova por suas escolhas profissionais, demonstra entre outras coisas, a distorção de valores entre os gêneros. Carter e McGoldrick (2001) afirmam que para os homens o relacionamento com a família e o trabalho é visto como mutuamente apoiador e complementar, mas para as mulheres o trabalho e a família representam exigências conflitantes. “Uma elevação no status das mulheres está positivamente correlacionada com a instabilidade conjugal e com a insatisfação conjugal de seus maridos” (p. 18).

As mesmas autoras ainda enfatizam a multiplicidade de fatores que estão envolvidos na constituição de um casal, entre eles a construção de um novo ‘contrato’ diferente do que possuíam quando solteiros, demarcando as mudanças de costumes. Em períodos de importantes modificações, também se mostra necessária uma nova renegociação desses contratos, pois o casamento representa a “modificação de dois sistemas inteiros e uma sobreposição que desenvolve um terceiro subsistema”.

Segundo Féres-Carneiro (1998) casal contemporâneo é confrontado por “duas forças paradoxais”, ou seja, pelas tensões entre individualidade e conjugalidade. “Todo fascínio e toda dificuldade de ser casal, reside no fato de o casal encerrar, ao mesmo tempo, na sua dinâmica, duas individualidades e uma conjugalidade”. O casal contém duas histórias de vida, com todos os seus significados, e duas identidades individuais que, na relação amorosa, convivem com uma conjugalidade, uma história de vida conjugal, uma identidade conjugal.

A contínua modificação dos padrões familiares tem elucidado quanto é difícil para um casal que ambos sejam igualmente bem sucedidos e realizados. Existindo “evidencias de que as realizações de um dos cônjuges podem correlacionar-se negativamente com o mesmo grau de realização do outro” (Carter & McGoldrick, 2001, p. 185).
O crescimento pessoal de Erin teve o custo de seu casamento, as mudanças individuais abalam as relações e modificam a estabilidade conjugal. O que poderia ter sido feito (se é que poderia)? Qual o preço de nossas inquietudes e sonhos? Até onde vai o papel do profissional? Este filme mobiliza e comove por inúmeros temas. Apenas elucidei pequena parte de tamanha história. Agora o convido para ver o filme e refletir… Ou escrever, escrever talvez tua história.

Referências
Carter, B., & McGoldrick M., cols (2001). As mudanças no ciclo de vida familiar: Uma estrutura para a terapia familiar. Porto Alegre: Artmed.
Féres-Carneiro, T. (1998). Casamento contemporâneo: O difícil convívio da individualidade com a conjugalidade. Porto Alegre: Psicologia Reflexão e Crítica.
Kunsch, M. K. (2003). Mídia e tolerância (painel). Seminário cultura e intolerância. Disponível em . São Paulo, SESC Vila Mariana.

Virginia Graciela Wassermann

[1] Segundo Kunsch (2003), tolerância é o respeito, a aceitação e o apreço da riqueza e da diversidade das culturas de nosso mundo, de nossos modos de expressão e de nossas maneiras de exprimir nossa qualidade de seres humanos. É fomentada pelo conhecimento, a abertura de espírito, a comunicação e a liberdade de pensamento, de consciência e de crença.